A Reunião Nacional da ANPEd traz, em sua 37ª edição, um evento inédito. Nos dias 5 e 6 de outubro, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) recebe a primeira mostra nacional de filmes de pesquisa da Associação. A Curta ANPEd tem por objetivo dar visibilidade a filmes que propiciam a reflexão sobre o uso das ferramentas e linguagens audiovisuais no processo de produção de pesquisas e conhecimentos. Nove filmes, com duração até 20 minutos, foram selecionados pela comissão da mostra para exibição e debates entre os associados. A 37ª Reunião acontecerá entre os dias 4 e 8 de outubro, em Florianópolis.
Entre os dias 22 de abril e 8 de junho, a ANPEd recebeu 33 inscrições de filmes para participação em sua primeira mostra de curtas metragens. Os nove trabalhos selecionados foram escolhidos por uma curadoria formada por Adriana Hoffman, pesquisadora da Unirio e do GT 16 (Educação e Comunicação), Conceição Soares, pesquisadora da UERJ e do GT 12 (Currículo), e Paulo Carrano, pesquisador da UFF, do GT 03 (Movimentos Sociais, Sujeitos e Processos Educativos) e segundo-secretário da ANPEd – clique aqui e conheça mais sobre a proposta da mostra e leia entrevista com os curadores.. O resultado foi divulgado no dia 6 de julho.
A inserção do filme em pesquisa na área da Educação e as qualidades imagéticas e sonoras foram alguns dos critérios avaliados pela comissão do Curta ANPEd. A mostra é organizada pela Direção da ANPEd e as sessões serão gratuitas. Conheça os filmes selecionados e que serão exibidos nos dias 05 e 06 de outubro na 37ª Reunião da ANPEd. A equipe de jornalismo da ANPEd conversou com diretoras/es dos filmes.
Leia a seguir.
1) As “Artes de Fazer” e de Viver o Cotidiano Escolar, de Sandra Kretli:
Uma escola pública municipal da capital capixaba. Esse é o cenário do vídeo em que a professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandra Kretli defendeu sua tese de mestrado, em 2012. Hoje, doutora em Educação, Sandra fala sobre o objetivo do curta e do grupo de pesquisa que o originou. “A questão que nos move é ir além dos clichês, que nos impedem de produzir novos modos de ser, estar, fazer e de viver nos cotidianos escolares. É capturar de que modo professores e alunos tecem as rasuras nos movimentos curriculares por meio dos usos que fazem de artefatos culturais, como livros e imagens cinematográficas. Usos que rasuram, provocam fissuras nos conhecimentos clichês e movimentam as invenções curriculares”, explicou. A doutora em Educação também conta que o nome do colégio que aparece no filme, Escola da Travessia, é fictício. “A escolha desse nome foi para intensificar a ideia de que os cotidianos escolares são ‘espaçostempos’ não de fixação, mas de intercâmbios de saberes, linguagens, culturas, afetos e circularidades de sentidos”, disse. O verdadeiro nome da escola a professora não conta, mas fala sobre a história do bairro, São Pedro III, que foi cenário de um documentário nos anos 1980. Nos anos 2000, as câmeras voltam àquela região da periferia de Vitória para mostrar que os moradores, apesar de não viverem mais junto ao lixo produzido por toda a cidade como no século passado, ainda (sobre)vivem em meio ao abandono, como na Escola da Travessia.
2) EM Prof. Gilberto Jorge: uma escola para todos, uma escola para cada um, de Janaina Daudt Fischer e Beatriz Daudt Fischer:
Existem projetos feitos para uma comunidade e existem projetos feitos por uma comunidade. A Escola Municipal Professor Gilberto Jorge encaixa-se no segundo caso, mas pertence também ao primeiro. Há 25 anos, a mudança de localização de uma escola estadual não agradou os moradores da comunidade do Morro Alto. Esses, então, tomaram o antigo espaço e o requalificaram. Hoje, a escola é municipal e a educação, inclusiva. Além das crianças de famílias populares do entorno, meninos e meninas portadores de necessidades especiais assistem às aulas em turmas regulares. Uma conquista que envolve outra: a realização de uma docência compartilhada. Uma das autoras do vídeo, Beatriz Daudt Fischer, explica a importância desse método. “A docência compartilhada não possui apenas um modo de ser caracterizada, pois cada proposta pedagógica tem suas peculiaridades. Entretanto, o que se pode destacar como comum entre as diferentes experiências é o fato de haver mais de uma professora sempre presente na classe. No caso da [Escola] Gilberto, por haver ênfase na educação inclusiva, a docência compartilhada tem sido determinante”, explica. Sobre como a educação inclusiva pode melhorar à Educação do país, disse Beatriz: “Para que se possa ter uma ideia dos efeitos desta proposta junto aos pais e comunidade, convida-se para assistir ao filme”.
3) Eunice e Fabrice, de Mailsa Passos:
O campus universitário com seus tons de concreto e o verde de seus jardins. Esse foi o cenário escolhido por Mailsa Passos para gravar o vídeo “Eunice e Fabrice”, em 2013. A escolha do local não se deve aos contrastes em suas cores, mas nas histórias que evoca. O cenário do curta é a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde seis estudantes estrangeiros estavam matriculados em seu Programa de Pós-Graduação em Educação. Mailsa escolheu dois desses estudantes para contar suas histórias. A mexicana Eunice Muruet-Luna e o beninense Fabrice Kpoholo falam sobre o Brasil e sobre os seus países. Mailsa falou conosco sobre a troca de aprendizagens que acontece nos intercâmbios. “O encontro com o ‘outro’, de outra cultura, com modos de vida, crenças e maneiras de ver o mundo diferentes dos nossos, sempre nos ensina muito. Quando este outro é um jovem africano ou latino-americano, contribui para pensar que as diferenças abissais entre nós, que foram disseminadas dentro de uma ordem colonial, não são tão grandes assim”, disse. A autora do filme também explica porque escolheu Eunice e Fabrice como seus personagens. “O filme é o resultado do diálogo do nosso grupo de pesquisa com os dois jovens. Desde que os conhecemos no cotidiano do Programa de Pós-Graduação da UERJ, ficamos encantados com a beleza daquilo que nos ensinavam. O interessante é que eles nem se conheciam. Conheceram-se no processo de realização do trabalho”, conta. Ao final do vídeo, os dois se encontram e falam sobre elementos de suas culturas. Dança, música, política. Mais do que sobre experiências, um filme que as transborda.
4) “Da Hora” e seus Meninos de Recife, de Maurício Roberto da Silva:
O vídeo do pesquisador Maurício Roberto da Silva traz a história do artista plástico Abelardo da Hora, que marcou o mundo das artes na segunda metade do século XX. De estilo próprio inconfundível, o escultor e desenhista pernambucano é o narrador da própria história. Abelardo fala sobre suas contribuições artísticas, principalmente sobre as gravuras “Meninos do Recife” – razão de Maurício para a realização do curta. O vídeo ainda traz relatos do desenhista sobre sua vida política, sua prisão na Ditadura Militar e opiniões pessoais. Abelardo faleceu em 2014, logo após o lançamento do filme e temporada de projeção do mesmo, na qual esteve presente. Maurício Roberto fala sobre a última vez que esteve com o artista plástico. “Meu último contato com ele foi ainda nessa temporada [de exibição do filme], em seu aniversário. Foi realizada uma ‘Alvorada’ para despertá-lo e parabenizá-lo. Lá estavam pintores, escultores, músicos, poetas e integrantes da Comissão da Verdade. Lembro-me que ao ouvir a sua música preferida, ‘Jesus, Alegria dos Homens’, ele suspirou e disse: ‘Essa música é arretada!’”, contou o diretor do documentário. Maurício também fala sobre a importância da obra “Meninos do Recife”, na qual diz ser “seminal” para entender o processo de divisão e exploração de classes. “As gravuras têm uma enorme importância, uma vez que o quadro de desigualdades sociais expressado continua hoje atual se formos aos bairros ribeirinhos do centro da cidade [de Recife] e nas periferias, onde as crianças brincam nas águas podres do rio Capibaribe”, explica. Um vídeo para lembrar o brasileiro da importância desse pernambucano na história da arte mundial e do Brasil como um todo.
5) Diabolin, de Virginia de Oliveira:
“A melhor escola do mundo é o mundo”. É com essa frase que o artista pernambucano Diabolin explica por que abandonou o colégio ainda no Ensino Fundamental. Foi na rua que, ainda menino, viu um artista cuspir fogo pela boca. Contou o que viu para sua mãe e com ela aprendeu como fazer. Hoje, já adulto, Gilberto Nascimento vive de sua arte. Pelas ruas de Olinda e de Pernambuco, é só olhar para cima e ele estará lá: andando sobre uma corda bamba. Se desse modo não o encontrar, procure uma multidão. Ao achar uma que aplauda e ria o tempo todo, pode ter certeza: Diabolin estará lá no meio, como razão de todo o barulho. A autora, Virginia de Oliveira, conta detalhes sobre o filme em seu Memorial Crítico-Sensível de Produção de ‘Diabolin’ (clique aqui para acessar).
6) Fabulografias, de Alik Wunder, Davina Marques e Alda Romaguera:
Fotos, imagens de movimentos. Vídeos, imagens com movimento. Poema, poesia, rima cantada, músicas que não rimam. Acompanham-se, em uma produção audiovisual que conta a trajetória de um projeto de extensão na área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desde 2010, o projeto Fabulografias realiza oficinas de experimentação com vídeo-postais sobre africanidades. Davina Marques explica o que são vídeo-postais. “São a mistura de imagens e sons que, juntos, fazem uma composição artística, poética. Os vídeo-postais são experimentações individuais ou em grupo dos participantes das oficinas do projeto Fabulografias. Nessas experimentações, os participantes criam imagens e sons de um material produzido anteriormente pelo projeto”, explicou. A pesquisadora também falou sobre como essa ferramenta enriquece o conhecimento sobre a África. “[Nós, autoras do filme] Entendemos que essa composição enriquece um conhecimento de África em parceria com manifestações da arte, o que significa dizer que nos propomos a atravessar o campo meramente informativo trazendo a possibilidade de provocar experiências. Consideramos que, ao realizar este atravessamento, convidamos a um pensar educação com e pela criação”, disse. O objetivo é responder a uma única pergunta: “Que Áfricas ventam por você?” Você tem a resposta?
7) Nuno: anos depois, de Gustavo Coelho:
As primeiras imagens do filme “Nuno: anos depois” pertencem a outro filme. São do documentário “Luz, Câmera, Pichação”, produzido em 2011 pelo professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Gustavo Coelho e mais dois colegas. Quatro anos depois, Gustavo volta a contar a história de um dos personagens do filme. Nuno não carrega mais latas de tinta. Tornou-se o “Rei das Sopas”. Em vez de sair à noite para pichar, Nuno sai antes do anoitecer para trabalhar em sua barraquinha de comida, no Centro do Rio de Janeiro. Gustavo Coelho fala como Nuno lidou com a mudança de vida. “O mais interessante da maneira como ele se narra nesse processo de mudança é que ele não o faz como sugere a gramática normativa, ou seja, ele não negativiza o passado pichador e muito menos encara sua ‘parada’ como indicativo de ‘libertação’. Pelo contrário, faz questão de afirmar que mesmo não estando mais com a tinta nas mãos, segue sendo ‘do Xarpi’”, disse. Gustavo explica como a cultura popular é uma forma democrática de educação. “Uma série de jovens tem nos palcos oficiais de expressão, como a escola, um lugar de intimidação de suas expressividades. Por outro lado, nas ruas, no ‘Xarpi’ e em tantas outras práticas marginalizadas, encontram um ambiente de amplo domínio dos gestos, falas, traços”, explicou. O autor acredita que “cabe à Educação entender que a ‘Rua’ é também uma escola”. E você? No que você acredita?
8) Palavras, Cúmplices de Mim, de Renata Coimbra:
Enquanto ouve-se uma poesia, vê-se a imagem de pés que caminham sobre as águas. Mas aqueles membros não pertencem à dona do poema. A escritora Maria Fernanda Zavanella Cruz possui paralisia cerebral. Seus pés até podem não fazê-la caminhar pelo mundo, mas as mãos o fazem ao transpor para o papel seus pensamentos e sentimentos. A professora de Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Renata Coimbra conta em seu filme a história da escritora paulista, por meio de relatos da mesma, de parentes, amigos e fãs. O filme é permeado por poemas escritos por Maria Fernanda, presentes em um de seus quatro livros. A autora do curta fala sobre a importância da participação de pessoas com necessidades especiais no fazer educação. “É fundamental a participação de pessoas com NEE [Necessidades Educativas Especiais], pois fortalece o discurso em prol da inclusão escolar ao mostrar as capacidades destas pessoas que muitas vezes são desacreditadas”, disse. Como exemplo, Renata cita a sua própria personagem. “A escrita de poesias tem um potencial terapêutico para Maria Fernanda. Através delas, ela ampliava seu autoconhecimento e dava vazão as suas angústias”, contou. Um filme que constata: a superação emociona.
9) Saberes e Fazeres de Ceramistas Fluminenses e Pernambucanos, de Fátima Branquinho:
Histórias separadas por mais de dois mil quilômetros, mas que envolvem uma só técnica. O filme da professora Fátima Branquinho explica o que é cerâmica através de outras vozes. Relatos que vem desde as capitais fluminense e pernambucana até o interior dos dois estados. Experiências que envolvem relações de vida, comércio, comunidade e arte no barro. A diversidade do filme mostra a pluralidade de significados do que é essa técnica. Fátima fala sobre que novas definições os relatos trazem. “Os relatos revelam o quanto a terra, o barro, o sol, o vento e os ceramistas são indissociáveis. Em outras palavras, revelam a indissociabilidade entre cultura e natureza, sujeito e objeto. Revelam como uma parte da humanidade dos ceramistas é constituída pela inumanidade da cerâmica”, contou. A professora também defende o uso dessa e de outras técnicas como uma ferramenta da Educação. “A pesquisa permite a elaboração da hipótese de que os objetos técnicos e científicos produzidos pelas sociedades científicas as organizam, assim como seus modos de vida, trabalho, visão de mundo. Isso significa que a ciência pode favorecer o planejamento de práticas educativas mais democráticas, sem espaço para a hierarquização dos diferentes modos de conhecer”, disse.
Reportagem: Tatiana de Carvalho Oliveira - estagiária de comunicação da ANPEd.
Enfim o conhecimento, produzido pela academia da Educação não precisa ter o logos como centro. Que outras linguagens tenham espaços.